sexta-feira, 16 de março de 2012

Um pouco de teoria...

CAPOEIRA ANGOLA: CULTURA POPULAR E O
JOGO DOS SABERES NA RODA

Pedro Rodolpho Jungers Abib

CAPÍTULO IV
CAPOEIRA ANGOLA: UM JEITO DE ENSINAR E APRENDER ... A VIDA

[...]

É objetivo desse capítulo analisar os processos educativos não-formais presentes na capoeira angola, no sentido de levantarmos alguns aspectos importantes desses processos. Estamos buscando assim, inspiração nas formas tradicionais de ensinar-aprender utilizadas nesse universo, sobretudo a partir das influências marcantes da cultura afro-brasileira, que caracterizam decisivamente as manifestações da cultura popular, como no caso do samba por exemplo, para refletirmos sobre outros modelos de aprendizagem possíveis. Pretendemos com isso, contribuir para uma reflexão mais aprofundada sobre as formas de educação presentes no universo da cultura popular, e de como essas experiências baseadas na tradição, na ancestralidade, no ritual, na memória coletiva, na solidariedade e num profundo sentido comunitário, podem estar auxiliando num processo de construção de formas alternativas de se pensar a educação, sobretudo aquela voltada às camadas menos favorecidas da nossa sociedade, que são, em última instância, elas próprias, as responsáveis por essas experiências ricas em conhecimentos e saberes que, normalmente, não são reconhecidos nem valorizados nos processos envolvendo a educação formal no Brasil.
 
4.1. Da roda de capoeira ao aprendizado da vida

Então eu ficava só olhando
Aí ele disse assim
- Ô meu filho venha cá ! Você quer aprender ?
Eu disse:
- Quero
Ele mandou abaixar
Quando eu abaixei, aí eu vi o pé
Eu pulei
Aí ele disse:
- Ô meu filho, a partir de hoje eu vou lhe ensinar !

Esse depoimento de Washington Bruno da Silva Filho, o mestre Canjiquinha, retrata a forma como tradicionalmente se ensinava e aprendia capoeira. O mais velho sempre estimulando, a partir de uma situação real, o interesse do mais novo. O mais velho, nesse caso, era o famoso capoeira conhecido por Aberrê, o primeiro mestre de Canjiquinha. Esse fato se deu em 1935, em Matatu Pequeno, no bairro de Brotas, cidade de São Salvador, no banheiro de Otaviano, onde havia uma quitanda em frente. Ali aconteciam as vadiagens de capoeira. Assim também foi despertado o interesse do mestre João Pequeno, segundo ele próprio relata, logo quando chegou a Salvador, vindo de Mata de São João, no interior da Bahia, onde já tinha tido algumas experiências com capoeira, mas de forma ainda incipiente:

"Naquele tempo, não tinha capoeira em espaço...a capoeira era na rua...aí eu não tinha arte, não tinha nada, eu fui trabalhar de servente de pedreiro...lá na rua Carlos Gomes. Eu trabalhava mais um camarada, na masseira, e ele chamava...o camarada chamava Cândido...e ele gostava de tomar umas
pingas (risos)...quando o serviço tava lento, ele ia na rua, tomava umas pinga e vinha, batia palma, cantava, sapateava e dava pulo de capoeira...aí numa daquela que ele deu pulo de capoeira...eu entrei pra dar uma cabeçada e recebi uma joelhada por aqui [mostra o queixo] (risos). Aí ele me abraçou e disse: “olha, não se incomode não...vou lhe botar numa roda de capoeira (risos)”.

[...]

Visita ao Rio de Janeiro - Academia de Mestre Marrom e Alunos








Roda - no rolê





Casa Cultural do morro  2o14
Brasilia e no  primeiro festival de capoeira angoleiros do mar.só diretoria
lapinha 2015 com mestre Amaral do  tambor de creola
2012

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O mundo da capoeira

O mundo da capoeira é cheio de surpresa, é um coletivo de sabedoria. Quanto mais você ensina muito mais você aprende. Quanto mais você se doa muito mais você recebe.
E em relação aluno e professor, grupo e alunos, por mais que vocês tenham afinidade, é como água debaixo da ponte, vai uns vem outros. É como os mestres da capoeira, eles não podem ficar aqui pra sempre.
Mas eu gostaria que o meu trabalho na favela nunca perdesse sua raiz, porque é um lugar real de vários acontecimentos e de maiores casos de injustiça. E que nunca fosse pra engrandecer a ninguém, a não ser o valor sentimental.

Podemos julgar aquilo que não conhecemos?

Qualquer trabalho depende de incentivo. Mas ao contrário de receber incentivo temos que enfrentar preconceito de membros da própria espécie. Ou seja, alguém que nunca chegou perto pra saber de qual forma é realizado o trabalho.
Sendo que o trabalho é aberto a todos. será que podemos julgar aquilo que não conhecemos? Devemos ser claros pra toda comunidade apresentando o trabalho, mostrando em que parte ele é cultural. De qual forma ele se enquadra no esporte e quais são os vínculos com a religiosidade africana. Toda a musicalidade da capoeira angola tem seus laços africanos ou afrodescendentes.

Maré baixa na comunidade - (27/05/2011)

Só pra lembrar, o meu trabalho com as crianças existe desde 2004. Pouco mais de dois anos em que eu treinava capoeira angola, porque comecei em 2002. Ainda treinava regional.
Em 2005, já tinha uma galera treinando comigo, só tinha criança. Em 2006, alguns estudantes mandaram um projeto pro programa que se chama PIBEX, que funcionou em 2007, mas não foi aprovado pra 2008. Até então, eu só puxava treino pra criança. Quando o meu professor visando que eu era nativo e o cara que treinava o dia todo com ele, me entregou a coordenação do grupo. Tendo ele que se afastar por motivos particulares e com isso também se afastou muitas pessoas, porque não estava mais a fim de ficar por falta do professor, né.
De lá pra cá muitas conquistas!!! Muitas quedas!!! E muito aprendizado também. Bom, sem rodeio!
O que interessa é que todo o tempo não é um e me vejo nas condições de começar o trabalho de novo, porque os alunos cresceram. Muitos já encontraram sua ocupação e outros não treinam mais por falta de motivação. É falta de incentivo da comunidade? É falta de apresentar melhor o trabalho na comunidade? Me passa muitas coisas pela cabeça de menos desistir agora. Eu preciso treinar, eu preciso buscar, eu preciso ficar. Sozinho mesmo sentindo saudade de todos. Tudo já está em andamento, ontem aconteceu a primeira roda na casa da paz depois da passagem do mestre.
Todo o grupo estava reunido, foi uma grande roda de capoeira angola. Toda roda é uma roda. Esta roda foi diferente de todas as outras devido a mudanças no jeito de treinar os alunos, ensinado pelo mestre Marcelo Angola. Ensinamento que devo levar comigo pra essa nova caminhada na capoeira angola.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Minha história, minha capoeira

O meu nome é Daniel. Eu cheguei na capoeira em 2000, no Alto dos Amoras com um mestre da capoeira da cidade. Eu cheguei pra ver e conhecer a capoeira, porque só ouvia falar mas não sabia o que realmente era. Então eu conheci a capoeira regional. Mas o que me encantou mesmo e me segurou lá foi a ladainha que o mestre cantou e que eu nunca mais esqueci.
É bem assim:

Ladeira do pelourinho eu não gosto de passar
Lá viveram grandes mestres saudade me faz lembrar
Ao passar na rua Alfredo Brito que fica ali no pelourinho
Foi lá que vi um velho triste sentado em um banquinho
Eu me aproximei dele fiquei sem jeito pra falar
Velho mestre o que foi que aconteceu
Ele me respondeu chorando
Mestre Bimba morreu
Perguntei qual é seu nome
Ele então me respondeu
O meu nome é Pastinha
Na roda era Bimba era Eu
Hoje se encontra Bimba e Pastinha na casa do grande Deus
Camaradinha
Iê viva meu Deus
Iê viva meu Deus, camará

Esse foi meu primeiro contato com a capoeira e, então, comecei a treinar. Eu não ia muito para as rodas de capoeira, porque sempre aconteciam no momento em que eu estava trabalhando, mas com o tempo passei a frequentar. Escapava do serviço e ia treinar ou jogar quando era dia de roda. Teve um tempo que a casa tava cheia e quase num tinha espaço pra treinar na quadra de cima. Então, eu olhei na quadra de baixo e tinha um cara treinando pesado lá... e resolvi me aproximar e perguntei assim: por que você está treinando aí? E seus movimentos são muito diferentes!!! Ele então me disse: é capoeira angola. Aí eu perguntei de novo: eu posso treinar com você? Então, ele sem muito interesse disse: tudo bem, mas é muito diferente do seu treino lá com o mestre. Eu disse: tudo bem, eu gosto da maneira que você treina! Aí ele disse: você treina comigo então, mas venha preparado pra treinar!!! O cara não gosta muito de conversar, mas o treino dele é muito bom!!!